Em sua 63ª edição, o Salão do Móvel, evento oficial da Semana de Design de Milão, propôs uma mudança de perspectiva: o design não como resposta estética ou funcional isolada, mas como uma linguagem que dialoga com o corpo, os sentidos e a subjetividade. Sob o tema “Thought for Humans”, as ideias de criativos e marcas revelaram um olhar atento ao protagonismo humano em todas as suas dimensões — física, emocional e cultural. “Num momento em que o design muitas vezes se perde entre o espetáculo visual e a automação impessoal, Milão propõe uma resposta mais consciente, trazendo o humano de volta ao centro — não apenas como consumidor, mas como presença sensível e participante do processo criativo”, explica Carolina Vitola, Coordenadora de Design da Impress decor.
Essa centralidade humana se revela desde o modo como os objetos se aproximam do corpo até a escolha cromática que permeia os espaços. A predominância de tons terrosos, variações de off-white e diferentes intensidades de marrom carregam uma intenção de acolhimento.
São escolhas cromáticas que reconhecem as marcas do tempo, da ancestralidade, das vivências, celebrando o que nos torna únicos e, ao mesmo tempo, parte de um todo.
É um convite para enxergar o design com mais empatia. Para criar espaços que não apenas agradam aos olhos, mas que também respeitam e representam a complexidade de quem os habita. Porque quando o projeto considera as pessoas em sua pluralidade, ele toca mais fundo. Ele conecta.
O contraste, tradicionalmente utilizado como elemento gráfico, aqui ganha outra dimensão: ele não serve mais para enfatizar oposição, mas para expressar coexistência. As combinações entre cores neutras e tons vibrantes — como vermelhos profundos ou verdes com acidez quase cítrica — funcionam como interrupções poéticas em superfícies calmas. Elas criam ritmo e tensão, mas mantêm a coesão, estabelecendo intervalos de respiração nas composições.
A linguagem formal dos móveis também se afasta da rigidez. As curvas, abundantes nesta edição, são mais que gestos estéticos; são decisões que convidam ao toque, à aproximação, ao repouso. Há uma busca evidente por uma ergonomia perceptiva, que leve em conta a materialidade do corpo, suas imperfeições e sua necessidade de aconchego e reaproximação.
No campo das matérias-primas, o protagonismo da madeira permanece, mas assume contornos mais simbólicos. A nogueira italiana aparece em sua forma mais imponente, acompanhada por carvalhos com veios marcantes e madeiras de coloração escura, quase negra. Ao lado delas, espécies como haya, fresno e pinus estabelecem uma relação mais direta com o território europeu. A madeira deixa de ser um recurso apenas funcional ou decorativo: ela carrega memória, evoca tempo, comunica permanência. “Esse discurso se intensifica com a presença de materiais complementares: vidros, metais, fibras naturais, tecidos, lã, e um destaque para polímeros aplicados em impressão 3D, que ampliam as possibilidades do acabamento e introduzem novas texturas ao repertório visual”, comenta Luiz Gorgen, designer de produto da Impress.
O que se viu em Milão, portanto, não foi apenas um recorte de tendências. Foi um esforço coletivo de profissionais, marcas e curadores para pensar o design como prática situada: sensível, comprometida com os ritmos e as urgências do tempo presente. “Não se trata mais apenas de desenhar o ‘novo’, mas de redesenhar os vínculos entre corpo e objeto, entre matéria e memória, entre estética e permanência. Um design que não se impõe como solução, mas que se constrói como escuta”, completa Jessica Hori.