Alguns objetos guardam silêncios. Eles estão ali — nas estantes da infância, nas mãos de quem nos ensinou, no fundo de uma gaveta — e, embora imóveis, carregam consigo o peso leve de uma lembrança. São fragmentos do que fomos, do que nos contaram, do que vivemos em alguma casa antiga ou repetimos em um gesto sem perceber. Em tempos em que tudo parece acelerado, olhar para esses vestígios se torna quase um gesto de cuidado — uma forma de permanecer conectado ao que realmente importa.
É a partir desse olhar atento às pequenas memórias que atua o MAIII Collective, um grupo de designers e educadores baseado em Budapeste. Unidos por uma prática que combina pesquisa material, afeto e escuta, os integrantes do coletivo enxergam o design como ferramenta para traduzir histórias pessoais em objetos que ressoam coletivamente. Mais do que projetar formas, eles recuperam gestos, tradições e saberes muitas vezes deixados à margem, transformando o que é íntimo em linguagem compartilhada.
Essa abordagem se revela de forma exemplar em Fragments, coleção apresentada na Stockholm Furniture Fair de 2025 e que a Impress pôde conferir de perto. Como o próprio nome sugere, trata-se de uma reunião de peças que partem de fragmentos — de lembranças, rituais, objetos herdados e práticas familiares que compõem a identidade dos designers envolvidos. Cada criação nasce de uma história e se transforma em objeto, não apenas para ser visto, mas para ser compreendido como parte de algo maior: uma memória que se move, que muda de forma, mas que insiste em permanecer.
Em TRIO, de Viktória Dawson V., utensílios de cozinha evocam a tradição húngara de consumir mel, nozes e alho na véspera de Natal, como símbolo de saúde e prosperidade. Já ODO, de Balázs Kisgyörgy, transforma em casinha de pássaros uma lembrança potente: o recipiente de máscara de gás reutilizado por seu bisavô durante a guerra. Em SUSZTER, Blanka Timári homenageia o avô sapateiro com um banco feito de sobras de couro — um tributo silencioso ao saber manual transmitido de geração em geração. RELIKVIA, de Roberta Wende, reinterpreta o bufê doméstico tradicional, criando um espaço para abrigar relíquias afetivas. E REJLIK, de Eszter Hanko, transforma uma cadeira com compartimento secreto em símbolo dos tempos do regime comunista, quando era preciso esconder o que era precioso dentro do que parecia comum.
O projeto segue desdobrando essas camadas de identidade com a mesma delicadeza. ÚSZKA, de Rebeka Csiby-Gindele, é um anel de natação em madeira que resgata a leveza da infância com um gesto tátil e afetivo. ÚTRAVALÓ, de Flóra Lukovics, revisita o “komatál” tradicional — uma tigela usada para compartilhar alimentos — e propõe um novo ritual de partilha. Em ESTEBÉD, Zsófia Zala transforma o conjunto de jantar em um convite ao convívio, à memória coletiva e à permanência dos laços à mesa.
O que une todos esses fragmentos é a intenção de dar forma àquilo que raramente encontra lugar no discurso oficial do design: as pequenas histórias, os afetos herdados, os gestos que marcam quem somos, mesmo quando não sabemos nomeá-los. O MAIII Collective propõe um design que não é apenas útil ou inovador; ele é, sobretudo, íntimo e parte de uma memória em comunidade. Ao trabalhar com o que foi vivido, o coletivo devolve ao presente uma camada de profundidade e pertencimento que muitas vezes se perde entre tendências e mercados.
Em um tempo que valoriza a velocidade e a ruptura, o MAIII escolhe o cuidado, o tempo lento da memória, a escuta como método e a emoção como forma. Seus objetos não apenas ocupam o espaço: eles contam, ressoam e convidam à lembrança. Porque, no fim, é isso que permanece — aquilo que nos lembra quem somos.